PLANILHA MUSICAL E SEUS RESPECTIVOS TEXTOS SÃO OBRAS DE MEIRE ELLEN DUARTE DE ARAUJO QUE DETÊM TODOS OS DIREITOS RESERVADOS, EXCETO IMAGENS OU QUANDO APONTADO.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Alex Ross explica... o pop ajuda a entender o clássico

“Hoje em dia, o local onde a música erudita e a música pop se encontra não é uma fronteira, mas sim uma ponte com trânsito em ambos os sentidos." Joe Tangari, jornalista.


Crítico da revista The New Yorker, Alex Ross, hoje um respeitado autor de 44 anos, assumiu o cobiçado posto quando tinha apenas 28, e já contava então quatro de experiência no jornal The New York Times. Firmou-se na vaga escrevendo críticas de música erudita embasadas com contexto histórico e construídas com um didatismo capaz de torná-las acessíveis a todos. Os textos, dotados de conexões com o mundo pop, são também considerados capazes de agradar ao público médio e de converter leitores leigos em ouvintes curiosos.

Formado em história pela Universidade de Harvard, com tese sobre o escritor irlandês James Joyce, Ross foi criado em uma família de apreciadores de música clássica. Aprendeu a tocar piano, dedicou-se ao estudo dos compositores e só na faculdade teve contato aprofundado com a canção pop. “Foi bom ter conhecido o pop tão tarde”, diz ele em entrevista a VEJA Meus Livros. “Acabei fazendo uma viagem de descoberta: primeiro conheci a o clássico do século XX, depois o pop.”

Em visita ao Brasil para lançar seu segundo livro, Escuta Só: Do Clássico ao Pop (tradução de Pedro Maia Soares, Companhia das Letras, 425 páginas, 49,50 reais), uma coletânea de ensaios e artigos (antes lançou O Resto é Ruído, sobre a história da música erudita), Ross, que vive em Nova York, falou sobre o exercício da crítica musical, acusou o termo “clássico” de afugentar plateias por estar relacionado a coisas antigas e contou de sua surpreendente viagem a Salvador, na Bahia, onde assistiu ao carnaval, em 2004. Confira a entrevista.

O senhor escreveu que não gosta de música clássica por causa do termo, que afastaria o público ao remeter a coisas antigas e sisudas. Qual seria, então, uma maneira possível de renovar a plateia da música erudita?

Falar em “clássico” é um problema, pois sempre aplicamos a palavra à música do passado, quando na verdade há dezenas de milhares de compositores que, influenciados por essa sonoridade, estão criando canções e prorrogando a tradição erudita. A melhor maneira de renovar e ampliar o público da música clássica é enfatizar a contemporânea e apresentar a antiga de maneira menos mecânica. Há muita música pop com inspiração erudita. São essas conexões que devem ser ressaltadas.

Qual foi o seu maior desafio ao assumir a crítica de música do The New York Times e da revista New Yorker aos 24 e 28 anos, respectivamente?

É claro que eu não tinha muita experiência, por isso tive de trabalhar duro para preencher as lacunas do meu conhecimento. O verdadeiro desafio, no entanto, foi encontrar uma linguagem para a minha crítica que pudesse dialogar com vários públicos: o que conhece bem o clássico e o que não sabe quase nada sobre ele. Esses dois grupos leem a The New Yorker. Depois de alguns anos, aprendi a transitar pela linguagem mais especializada e também pela de acesso geral. Mas sentar para escrever ainda é um desafio constante.

O senhor teve contato com a música pop só na faculdade. Foi um pouco tarde demais, não?

É engraçado, eu sinto que descobri a música pop na hora certa. Foi como uma viagem de descoberta, em que eu fiz o meu caminho através da música do século XX: primeiro a erudita, depois a pop. Quando eu era jovem, estava tão absorto pela música clássica que eu não tinha tempo para ouvir outra coisa. A maioria dos meus amigos fez o trajeto oposto: só consumia música pop e apenas agora está descobrindo que gosta de música clássica. Eu diria que aos 40 anos você pode se sentir um pouco ridículo em um show da melhor banda da última semana, cercado por adolescentes. E, se por acaso você for ao show de 25 anos de sua banda preferida, vai se sentir velho ao perceber que o vocalista é um ex-magro, que os cabelos escuros do guitarrista estão cinza e que ele está um pouco acima do peso. Já num concerto de música clássica você será um dos mais jovens da sala. Eu sempre digo aos meus amigos: se quiser se sentir uma criança novamente, precisa ir mais a concertos (risos).

A internet deu às pessoas a possibilidade de se manifestar sobre discos, músicas e clipes. Há opiniões para todos os gostos sobre todos os lançamentos possíveis. Isso tornou mais difícil o exercício da crítica musical, o desafio de prender a atenção do leitor?

Acho que não. Fazer crítica não é apenas dar opinião, dizer “eu gosto disso”, “eu odeio aquilo”, dar quatro ou três estrelas para um disco. Eu acho que essa é a parte menos interessante do trabalho. Eu não acho que o leitor realmente se importe se eu gostei, digamos, da última composição de Osvaldo Golijov (compositor erudito argentino). Eles querem saber quem é essa pessoa, de onde ele vem, a que tradição pertence, em que condições ela desenvolve o seu trabalho. O contexto só pode ser fornecido em um artigo mais crítico ou em um post de um blog que se preste à reflexão.

O senhor veio ao Brasil em 2004, durante o carnaval. Como surgiu essa ideia e que impressões guarda da incursão?

Eu estava escrevendo um perfil de Björk (cantora islandesa) para a New Yorker e fui visitá-la na Islândia. Lá, ela disse que estava indo para carnaval em Salvador, porque seu companheiro Matthew Barney iria dirigir um documentário, e me convidou para ir junto. É claro que eu não poderia dizer não. Foi uma experiência realmente tremenda. Eu adorava ver o Ilê Aiyê, sentir aquela energia incrivelmente sofisticada e rítmica. A vida das ruas foi surpreendente, para além de qualquer coisa que eu tenha experimentado. E ainda encontrei “celebridades” como Caetano Veloso e Gilberto Gil no meio do povo. Espero voltar à Bahia em breve.

Se o senhor tivesse de escolher artistas de hoje usando como critério aqueles que serão lembrados no futuro para contar os dias em que vivemos, quais seriam eles?

Eu não sigo a música pop mais recente de perto o suficiente para ser capaz de cravar nomes, mas certamente eu escolheria Björk e Radiohead como referências para o futuro. No mundo clássico, acredito que em cem anos as pessoas estarão ouvindo compositores como John Adams, Thomas Ades, Kaija Saariaho e Georg Friedrich Haas, para citar alguns.

Recentemente o senhor levantou uma discussão interessante: a conexão, digamos assim, entre o riff da canção Seven Nation Army, da banda The White Stripes, e uma sinfonia do compositor austríaco Anton Bruckner. Nem todos percebem a semelhança. Seria um caso de plágio ou de homenagem?

Eu acho que Jack White (ex-líder da banda) já mencionou o seu gosto por Bruckner. Ele estudou música clássica na infância. Costumamos pensar em música clássica e música pop como coisas distintas, mas são tantas as ligações entre elas… Para falar a verdade, eu gostaria de ver mais artistas transitando entre esses gêneros. É sempre saudável enxergar o mundo pelos olhos do outro e a música dá essa possibilidade, já que é algo tão rico quanto a diversidade verbal.

FONTE: site da revista veja.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário